Devemos começar já a enfrentar as necessidades estruturais! - Artigo B20 Brazil 2024

Devemos começar já a enfrentar as necessidades estruturais!

 

Artigo Isaac Sidney - Presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para o B20 Brazil - 2024

Também publicado no site do B20 We need to start tackling structural needs right away - B20 - Confederação Nacional da Indústria

 

Foi em 2008, quando o Brasil também presidia o G20, até então formado pelos ministros de economia e presidentes de bancos centrais de 19 grandes economias, que esse fórum internacional cresceu e se tornou uma importante assembleia para discutir questões planetárias. Na esteira da crise financeira mundial, organizou-se a primeira cúpula de líderes das 20 maiores economia em Washington, cujos temas foram as medidas para fortalecer o crescimento econômico, como lidar com a crise e prevenir novas.

Em 2024, o Brasil volta a presidir o G20, maior e ainda mais representativo, coincidentemente em um momento crucial para debater o futuro da humanidade. Os fenômenos meteorológicos extremos desafiam todo os cantos da Terra, com consequências econômicas e sociais desastrosas e cuja dimensão futura ainda é incerta. Calor intenso, tempestades, enchentes, secas, furacões são o novo normal climático.

A transição energética é um dos três pilares da presidência brasileira do G20, ao lado da redução das desigualdades e da reforma dos organismos de governança global. Precisamos triplicar a geração de energia sustentável para não prejudicar as metas de redução de carbono já acordadas internacionalmente e termos uma adesão forte dos países do G20 a esses objetivos.

Tive o privilégio de ter acompanhado aquelas discussões anos atrás como chefe de gabinete do então presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, e agora como presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) participo como membro do B20 (The Global Business Forum for G20).

Acompanhar de perto essa evolução me encoraja a dizer que é uma grande oportunidade termos o Brasil na coordenação do B20 neste momento especial que atravessamos. Se não enfrentados, poderão colocar em risco até a nossa sobrevivência no planeta. Em momentos críticos como o atual, a parceria entre o setor público e o setor privado é a melhor forma de se forjar soluções amplas e eficazes. A trágica experiência da pandemia da Covid-19 é um exemplo claro dessa necessidade e de sua urgência.

No campo econômico, temos os desafios no pós-pandemia da Covid-19, como a reconstrução das cadeias produtivas globais, a convivência com taxas de juros altas para conter as pressões inflacionárias e o elevado e preocupante nível de endividamento dos países, que se acentuou com os incentivos fiscais durante a pandemia.

O grande desafio que temos é navegar entre necessidades mais imediatas e aquelas estruturais. As sugestões de políticas públicas oferecidas durante a coordenação do Brasil são, em sua quase totalidade, de caráter mais estrutural e de longo prazo, mas também são prementes. Diria até que deveríamos começar já.

A questão climática é exemplar. As soluções demandam recursos, muito tempo de implementação e consistência, mas ao mesmo tempo não há tempo a perder. Ao contrário, quanto mais adiarmos, mas difícil e custosa será a solução. Os Grupos de Trabalho do B20 tiveram uma excelente atuação, apresentando propostas de grande qualidade.

O trabalho certamente não acabará por aqui. Em 2025, com a liderança da África do Sul, seguiremos ativos, na defesa das propostas gestadas este ano, como também para discutir o seu aperfeiçoamento e as novas prioridades que surjam.

Quase tudo que está sendo proposto, porém, requer financiamentos. Um dos principais motores para alavancar as propostas levantadas pelos cerca de 1.200 membros do B20, que representam 42 países e 21 setores da econômica, será o crédito. Ele terá o condão de alavancar o crescimento econômico, permitindo às famílias que financiem o seu consumo e que as empresas tenham recursos para investir e expandir suas atividades.  Vimos isso tanto nos anos que se seguiram à crise financeira global de 2008, quanto na pandemia da Covid-19.

Aqui há um papel fundamental dos bancos em geral, que são estratégicos e estão presentes em todos os setores da economia, podendo direcionar e alocar recursos para projetos que contribuam para uma economia de baixo carbono e mais sustentável. As instituições bancárias brasileiras estão plenamente integradas neste objetivo.

Nesse desafio, teremos de contar tanto com recursos públicos quanto privados, que são mecanismos complementares, com desafios distintos. Não há nenhuma contradição nesses capitais de origem distintas. No caso do setor público e pensando no Brasil, o grande desafio é como viabilizar ou disponibilizar estes recursos num ambiente de restrição orçamentaria e de ajuste fiscal.

Aqui, como sociedade, temos o desafio de incluir estes projetos em nossas prioridades e depois acompanhar a sua execução com rigor. É imperioso garantir que as melhores propostas, com maior impacto na transição climática, sejam aquinhoadas.

Também não vejo contradição entre o ajuste fiscal e a necessidade de gastos eficientes. Pelo contrário, nosso desafio é como priorizar os financiamentos para projetos de transição climática num ambiente de restrição orçamentária.

Mas existem desafios conhecidos que precisam ser enfrentados também na concessão de recursos para projetos em prol do planeta.

No caso do setor privado, o problema é semelhante ao que existem nas concessões de crédito em geral, ou seja, os elevados custos de intermediação financeira em nosso país. No Brasil, quatro quintos do spread bancário correspondem aos custos de intermediação financeira, por exemplo, a carga tributária, os compulsórios, a inadimplência e os custos administrativos.

Ou seja, ainda que, por hipótese, os bancos operassem com rentabilidade zero, sem lucro, as taxas ainda são elevadas por conta dos altos custos. Temos diversas propostas, estamos avançando, mas a urgência da questão climática, que precisará de crédito, coloca ainda como mais prioritária a agenda de redução dos custos de intermediação financeira em nosso país.

Precisamos de uma agenda estrutural para obter e alocar capital a custos menores. Este é nosso core business e temos muitas contribuições, tanto no financiamento público quanto no privado.

Como sabemos, a atividade bancária e de financiamento envolve muito riscos e até por isso é fortemente regulada.  Além disso, em muitos países, a exemplo do Brasil, temos custos elevados que precisam ser endereçados para viabilizar o financiamento para a transição energética. Estamos muito empenhados nesta agenda.  

E nesse paralelo entre as duas presidências brasileiras do G20, contamos com um bônus importante. Em ambas existe a liderança e prestígio internacional do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com potencial de negociação e influência ímpares. Seja pelo potencial econômico do Brasil, seja pela posição privilegiada na questão climática e na transição energética, teremos um papel de destaque na cena global, juntamente com os demais países do G20.

Mas não podemos perder tempo. Estamos chegando ao limite e a população mundial quer, exige e precisa de soluções já.

 

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