Descobrindo os bancos e o dinheiro

Ignácio de Loyola Brandão

A primeira vez que entrei num banco, devia estar com sete anos. Acompanhei meu pai, que precisou ir à Caixa Econômica em Araraquara para pedir um financiamento para reformar a casa. Minha mãe avisou:

– Leve o menino porque vou sair. Preciso ir ao Armazém de Abastecimento para deixar a lista de compras do mês. Quando chegamos à tal de Caixa e meu pai se fez anunciar, veio um funcionário fardado:

– Por que trouxe o menino? Banco não é lugar de criança.

Papai explicou, o uniformizado se foi, demorou um tempão, voltou.

– Pode entrar. Que seja a última vez.

Não me lembro da conversa. Sei que meu pai ouvia com atenção o gerente, um sujeito ossudo, terno escuro, gravata amarela. Ouvi várias vezes a palavra hipoteca; não sabia o que era. Acho que conseguimos o dinheiro, porque a casa foi reformada e meu quarto ganhou forro – o vento não entrava mais pelo beiral, nem havia goteiras. Aquilo foi suficiente para eu achar o banco uma coisa boa.

Lembro-me de que, quando estávamos saindo, chegou o homem mais rico da cidade, o usineiro Hélio Morganti, que, diziam, produzia açúcar para adoçar o Brasil inteiro. O que me impressionou foi Morganti entrar anunciando:

–Vou ao cofre – e desapareceu.

Ao sairmos, vi meu pai abaixar-se e apanhar uma moeda de cem réis. Guardou no bolso. Reclamei:

– Pai, pegou esse dinheirinho de nada?! Que vergonha: vão pensar que a gente é pobre.

– De nada? Junte um monte dessas e vai ver. Ficou com vergonha? Dinheiro não se joga fora, menino.

– E o cofre, pai?

– Que cofre?

– Esse que o Morganti foi ver.

Foi-me explicado que havia dois tipos de cofre. Vários, menores, os clientes usavam para guardar o que quisessem – ali estava mais seguro do que em casa. E um, grande, guardava todo o dinheiro do banco.

– Todo o dinheiro do banco? Nossa! Deve ser um tesouro.

Eu lia livros como A ilha do tesouro, de Robert Louis Stevenson, e imaginava baús enterrados, piratas. Ou as grutas repletas de ouro e pedras preciosas de Simbad, o marujo. A partir daquele dia, sempre que eu passava por um banco, esses mistérios me azucrinavam. Por que criança não podia entrar? E o cofre com o tesouro? Sempre desejei olhar o cofre de um banco; jamais consegui. Anos depois, tornei a achar banco uma coisa boa, já que meu pai, ao se aposentar da ferrovia, alimentava um sonho – abrir uma fábrica de sacos de papel. Tinha um dinheiro, faltava algum, e foi de novo o banco o que o socorreu. Meu pai trabalhou até quase os 90 anos.

Ilustração da Crônica: Descobrindo os Bancos e o Dinheiro

Também nunca mais reproduzi a sensação de poder da primeira vez que entrei num banco, aos 20 e poucos anos, para abrir conta. Era meu atestado de adulto. Trabalhava na redação paulistana do jornal Última Hora, e nosso salário era pago pelo Banco Nacional, que não existe mais. Fui recebido por um homem chamado Murilo Macedo, depois ministro e quase candidato a governador do estado de São Paulo; estava sempre nas colunas sociais. Cordial, tratou-me como se eu fosse um investidor; ele era amigo de Samuel Wainer, meu patrão e um dos mitos do jornalismo. Guardei por anos meu primeiro cheque azul, até que desapareceu numa mudança.

Vi bancos nascerem, crescerem, desaparecerem em fusões, vendidos ou quebrados. Li sobre eles e suas histórias. Escrevi a biografia de dois grandes banqueiros, opostos no temperamento e nas ideias. Sempre me interessei pela história dos empreendedores. Um deles, filho de um mascate libanês que percorria o interior no lombo de burro, criou um banco numa pequena vila do interior do Paraná em plena crise de 1929 e tornou-se grande. Corria que ele dava empréstimo às pessoas olhando nos olhos. Nunca errou; todos pagaram. Havia um sujeito em Curitiba, malandro, jogador, trambiqueiro, que chegava, pedia empréstimo, o banqueiro dava. Os gerentes avisavam:

– Está louco? Sabe quem é esse homem?

Tranquilo, ele respondia:

– Sei, e ele vai pagar.

Pagava.

Outro empreendedor, este engenheiro, assumiu um banco, e logo correu na praça:

– Um engenheiro à frente de banco? Banco é para advogados. Vai quebrar em seis meses.

Os que o menosprezaram já se dissolveram na poeira. O engenheiro, homem racional, passou primeiro por todos os departamentos de seu banco, foi caixa, atendente, gerente, viajou pelo interior, foi o primeiro a criar normas para um banco. Costumava aconselhar aos funcionários:

– Errem dentro das normas. Não acertem fora delas.

Célebre foi a competitividade entre dois megabanqueiros brasileiros, um vindo de família tradicional, o outro do chamado povão. Seus bancos, bem-sucedidos, eram opostos também em atendimento e serviço. Corre que, num encontro cordial, um deles afirmou:

– Se eu administrasse meu banco com as regras do seu, estaria quebrado em pouco tempo.

O outro sorriu. Homem de poucas palavras, severo, sábio, famoso por usar terno sem meias, respondeu:

– Se eu administrasse meu banco com as normas do seu, também teria afundado mais rápido que o Titanic.

Ambos cresceram, deixando sólidas duas das maiores instituições bancárias do Brasil.

Jornalista e escritor, sempre me interessei pelo lado oculto das organizações, dos homens, de tudo. Saber dos líderes, de seus métodos, idiossincrasias, manias. Há lendas, mitos, ficções, boatos e fatos, principalmente em torno de grandes banqueiros do passado. Hoje nossos banqueiros são discretos; não expõem nem ostentam seu poder (apesar da magnitude) como em outros tempos.

Mas os banqueiros de agora seguem o conselho que o florentino Giovanni Bicci de’ Medici (c. 1360-1429), criador do mais poderoso banco do século 15, deu aos filhos ao morrer:

– Fiquem longe dos olhos do público.

Todavia, como não me encantar com o lendário J. Pierpont Morgan (1837-1913), que controlava um terço das ferrovias americanas e 70% da indústria do aço e era dos maiores acionistas das instituições que precederam o Chase e o Citi? Do alto de seu poder, um dia declarou:

– A América está de bom tamanho para mim.

Ao que o jornal The Commoner retrucou:

“Quando se cansar dela, pode devolver”.

Hoje os grandes bancos americanos ostentam sedes em edifícios descomunais nas grandes cidades, com letreiros gigantescos, esmagadores. Nesse aspecto, Morgan era low-profile. Acreditava que bastava deixar o número 23 na Wall Street para que todos soubessem que era ele.

Fala-se muito nos Rothschild, mas os Baring, seus concorrentes, pareciam ter mais prestígio. A ponto de, por volta de 1820, o quinto duque de Richelieu, primeiro-ministro de Luís XVIII, escrever: “Existem seis grandes potências na Europa – a Inglaterra, a França, a Prússia, a Áustria, a Rússia e o Barings Bank”.

Nos anos 1990, a revista Vogue, na qual eu trabalhava, costumava dar festas de luxo e glamour. Era um momento de charme e gente bonita. Numa dessas festas, no restaurante Leopoldo da rua Leopoldo Couto de Magalhães, em São Paulo, o publicitário Zezé Brandão (meu primo) e eu testemunhamos uma cena e entendemos o significado. Vimos uma moeda brilhar no chão. Você pega? Eu não. Pega você. Não pegamos. Nesse momento, passou um grupo que tinha à frente o banqueiro Joseph Safra. Ele viu a moeda, parou, abaixou-se, apanhou-a, olhou para nós, sorriu e guardou no bolso. Mais do que tudo, entendi então o gesto de meu pai, décadas antes. Ele tinha razão e era um homem humilde.