As senhas poderão ser um sopro

Ignácio de Loyola Brandão

Estou velho, mas ainda bastante lúcido e interessado nas ideias engenhosas que fazem o mundo caminhar. Nas primeiras décadas deste século, era admirável a preocupação com os sistemas de segurança que protegem os clientes e, é claro, os bancos. Refiro-me às senhas. Hoje o mundo tem senhas e crachás. Algumas mais simples, outras resultado de pesquisas e investimentos vultosos. Coisa que sempre me fascinou foram as senhas para realizarmos operações bancárias, a tal ponto que tenho um caderno – sou fanático por eles; coleciono e compro compulsivamente – em que anoto todas as minhas senhas ao longo desses anos.

No começo, eram só alguns números. Muitos usavam a data de nascimento, o que logo foi desaconselhado. As pessoas davam tratos à bola: utilizavam a data de casamento, de formatura, o dia em que tinham conhecido a pessoa amada, o nascimento do filho mais velho (mas confundiam com o do filho do meio, ou o do mais novo). Usavam o número do celular (os fixos estavam em baixa havia muito), o número da própria casa duplicado, o número do sapato triplicado ou invertido, as distâncias entre lugares, o preço do primeiro automóvel ou de uma joia dada à mulher nas bodas de prata ou ouro, a data de uma cirurgia, de uma plástica. Havia a busca de originalidade e um sem-número de tentativas para desenvolver senhas impossíveis. Ficou uma coisa complexa. Houve quem abrisse escritório de consultoria, com especialistas em numerologia, astrologia, informática, que faziam cálculos em computadores.

Chegou um instante em que as pessoas não sabiam mais o que inventar para criar uma senha inviolável, não fraudável, impossível de descobrir. Era curioso, nos desdobrávamos como verdadeiros solucionadores de quebra-cabeças intrincados. Naqueles anos em que ser saudável virou mania, necessidade, obrigação – todo mundo corria, fazia regimes, tomava vitaminas –, vigorou por algum tempo o exame da íris do olho. Há uma teoria, dizem que científica, de que na íris permanecem os sinais do que tivemos, passamos, sofremos, de forma tão clara como se passássemos por tomografias, ressonâncias, ultrassons.

Tenho bem claro quando surgiu a biometria, que ainda funciona com sucesso, mas as buscas continuam. Não há nada como nossas mãos; nossos dedos têm marcas (quem vê seriados de televisão está mais do que habituado com isso), elas são únicas, sabe-se que não há duas pessoas com digitais idênticas. O dia em que encontrarem duas iguais, essas criaturas se tornarão celebridades na mídia.

A biometria tem sido um dos métodos mais seguros há décadas, mas os departamentos de inovação querem mais, são insaciáveis. Se não o fossem, não haveria progresso no mundo. A acomodação, a letargia levam à paralisia. Assim, os pesquisadores dos bancos imaginam o futuro, querem se antecipar, estar à frente, preparados para qualquer contingência, porque sabem que é constante a guerra contra a fraude, a contravenção. Os bancos chamam os melhores cérebros, patrocinam pesquisas que têm apresentado soluções, como mostrar o rosto diante de uma tela. Há até as ideias mais complexas, como aparelhos que captam o pensamento – tal qual naqueles antigos espetáculos de telepatia dos teatros –, desenvolvidos com chips ultrassensoriais.

Meu gerente acaba de me comunicar que, no campo da biometria, aparelhos estão lendo as veias da mão, assunto que, fascinado, prometo estudar. E, ele me diz ainda, está sendo implantado o sopro.

– Sopro?

– É, sopro.

– Como funciona?

– O cliente entra numa cabine e, ao fechar a porta, abre-se um monitor. O cliente então sopra ou bafeja. Aquele sopro ou bafejo simples, como se quiséssemos limpar lente de óculos. Um sopro leve sobre a tela.

Ilustração da Crônica: As Senhas Poderão Ser Um Sopro

Uma luz se acende, e ouve-se:

– Um instante, estamos verificando o seu sopro.

Alguns segundos, a voz virtual dá o sopro como reconhecido, e a operação é autorizada.

– Digite a quantia e recolha no dispensador de notas.

Recolhido o dinheiro, a voz retorna para informar que novas opções surgirão como aplicativos: investimentos, extratos, depósitos, pagamentos, os variados serviços. Outro sopro sobre o aplicativo, e abre-se o leque de escolhas sobre as quais trabalharemos digitalmente.

Meu gerente explicou que se descobriu que cada pessoa tem um sopro diferente, mesmo que tenha bebido, beijado, comido, esteja com o estômago vazio. Esse bafejo tem características que somente aquele indivíduo possui e que não adianta querer disfarçar com Listerine, chiclete, Halls, spray de menta, anis, cereja, o que for. Chips eliminam ou separam no sopro interferências como alho, cebola, temperos diferentes, remédios. O sopro é como a digital – não existem dois iguais.

– E quem inventou isso?

– Um músico, um clarinetista.

– E, se eu assobiar, a máquina libera o dinheiro?

– Se for uma bela canção, é bem capaz.

Meu gerente acrescentou:

– Afinal, como disse Niemeyer – aquele gênio da arquitetura –, a própria vida não passa de um sopro.